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DIVERTIDA MENTE (INSIDE OUT, 2015)



Gênero: Animação
Direção: Pete Docter, Ronaldo Del Carmen
Roteiro: Josh Cooley, Meg LeFauve, Pete Docter
Elenco: Amy Poehler, Bill Hader, Bob Bergen, Carlos Alazraqui, Diane Lane, Jess Harnell, Kyle MacLachlan, Laraine Newman, Lewis Black, Lori Alan, Mindy Kaling, Paula Poundstone, Phyllis Smith, Richard Kind, Teresa Ganzel
Produção: Jonas Rivera
Trilha Sonora: Michael Giacchino
Duração: 102 min.
Ano: 2014
País: Estados Unidos
Cor: Colorido
Estreia: 18/06/2015 (Brasil)
Distribuidora: Disney
Estúdio: Pixar Animation Studios / Walt Disney Pictures
Classificação: Livre

Sinopse: A vida da jovem Riley era predominante feliz. Entre as sua emoções, a Alegria conseguia predominar sem grande esforço sobre a Tristeza, o Medo, a Raiva e o Nojinho. Quando seus pais se mudam de Minesota para São Francisco, Riley precisa enfrentar a realidade de uma nova cidade, uma nova casa e uma nova escola, o que causará bastante confusão entre suas emoções.



Nota do Razão de Aspecto

Antes de comentar a nova produção da Pixar, permito-me digredir sobre as condições em que assisti ao filme. Como o Maurício e eu ainda não participamos de cabines de críticos, normalmente escolho a primeira sessão de domingo para ir ao cinema. Confio na preguiça natural das manhãs dominicais para encontrar ambientes menos cheios e ter uma experiência um pouco menos conturbada.

Fico bastante alegre quando essa estratégia funciona. Ela foi desenvolvida, em grande medida, por causa da raiva que dá enfrentar fila e conviver com salas cheias de um público mal educado, que conversa e usa o celular. É triste ver o quanto o respeito pelo espaço comum é um valor em extinção. Dá medo do futuro que vem por aí. A única desvantagem da primeira sessão de domingo é que eventualmente a sala parece que foi mal limpa desde a última sessão de sábado, e o cheiro de gordura e pipoca velha empregado na sala às vezes dá um nojo danado.

"Divertida Mente" é exatamente sobre isso: as emoções humanas, e como elas ao mesmo tempo reagem às e condicionam nossas interações com o mundo à nossa volta. Pete Docter (escritor ou coescritor "apenas" de Toy Story 1 e 2, Monstros S.A., Wall-E e Up - basta?)  e Ronaldo Del Carmen (veterano storyboarder de séries animadas de TV como Batman e Batman Beyond, além do longa Ratatouille) elegeram cinco emoções básicas para conduzir a trama:  a Alegria, a Tristeza, o Medo, a Raiva e o Nojinho (tradução que arrumaram para "disgust").


O roteiro é desenvolvido em dois espaços diegéticos distintos: no primeiro, os espectadores são apresentados a Riley, uma menina de 11 anos de idade, que vive em Minesota com seus pais, um casal afetivo, divertido e funcional; ela adora patinar e é uma popular jogadora de hóquei entre os amigos. Em outras palavras, uma infância fundamentalmente feliz. O segundo espaço diegético é o cérebro de Riley, onde as cinco emoções básicas mencionadas interagem com os estímulos externos e acabam por produzir as memórias da garota.


A Alegria é a líder das emoções, e consegue prevalecer sobre as outras com certa tranquilidade, até que os pais de Riley se mudam para São Francisco. De repente, a menina tem de lidar com uma situação desafiadora: uma nova cidade, uma nova casa, uma nova escola. Tudo isso bagunçará completamente suas emoções.

A partir daí, acompanhamos, ao mesmo tempo, os desafios de Casey no "mundo real" e toda uma saga da Alegria e da Tristeza, que acabam perdendo acesso à sala de controle das emoções, para lá retornar. Se, de acordo com nosso colega Thiago Belotti, a ideia não é absolutamente original, sua execução é de excelência.

O design de produção lembra, em muitos momentos, um misto de retrofuturismo e lisergia, como um episódio dos Jetsons filmado numa loja de doces. O filme é extremamente colorido: cada memória é representada por uma esfera que, ao menos em princípio, ganha a cor predominante da emoção que a gerou (amarelo para Alegria, azul -blues! - para a Tristeza, lilás para o Medo, verde para o Nojinho e vermelho para a Raiva), e contrasta com as cores mais acinzentadas da vida real em São Francisco. O próprio formato das emoções personificadas é simbólico: a Alegria lembra uma estrela, por sua cor e gestual exagerado; a Tristeza é inspirada em uma lágrima; a Raiva tem formato de chama, enquanto o Medo é um nervo exposto;  para o Nojinho, os criadores escolheram a cor e a inspiração no formato de brócolis. Chama a atenção, e fica a dica de simbolismo, para o fato de que o cabelo da Alegria não é amarelo como deveria...

É preciso destacar, para além da ousadia do roteiro (que permite metáforas e paralelos constantes entre o que se vive e o que se sente), a, por assim dizer, "geografia e engenharia" do cérebro. Os criadores da história apresentam um complexo processo em que são criadas memórias básicas (mais intensas e condicionadoras de comportamentos), memórias de longo prazo, ilhas de personalidade (família, amizades, honestidade, bobeira e – no caso de Casey, hóquei), um trem do pensamento - que leva memórias até centro de controle, para serem usadas e estimular certas emoções, e até mesmo um espaço para memórias que ficam presas no inconsciente. Há espaço, inclusive, para uma deliciosa homenagem ao próprio cinema, na área responsável pela produção dos sonhos.

  
É claro que, com essa complexidade de elementos e simbolismos, as crianças mais novas (e talvez algumas mais velhas, e vários adultos) não entenderão as várias camadas de interpretação do filme. Ouvi, ao longo da sessão, muitas crianças – que ainda não tem idade/maturidade suficiente ou não foram educadas pelos pais para evitar conversar no cinema – perguntarem a seus acompanhantes adultos o porquê de determinadas cenas. Acredito, entretanto, que no nível da mera aventura, o filme certamente entretém.

A grande beleza do filme, entretanto, não está na aventura ou na estética, e sim na delicadeza e na poesia com que ele apresenta a evolução das emoções. Nesse aspecto, embora todas as emoções reconheçam que a Alegria é a melhor das líderes e façam de tudo para tê-la de volta, o arco narrativo que envolve a Tristeza – em princípio rejeitada e estigmatizada, mas emoção incontornável para o amadurecimento humano – é o grande achado do filme, e poucos adultos resistirão a derramar algumas boas lágrimas. Para psicólogos e aqueles que já flertaram mais intensamente com a depressão, o filme é simplesmente obrigatório.

Quando a mim, reorganizei minhas emoções, me apoiei na Ilha da Família, acompanhado que estava da esposa e do enteado, e na Ilha do Razão de Aspecto (e do prazer que ele me proporciona), e tive uma das mais comoventes experiências cinematográficas do ano.




PS: bônus tracks para as visitas aos centros de comando de outros cérebros, nos créditos finais do filme.

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