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NA TELINHA: PENNY DREADFUL, O FIM

 O texto a seguir contém diversos SPOILERS sobre as temporadas de Penny Dreadful. Estejam avisados.


Nota do Razão de Aspecto:



Quando estreou, em 2014, Penny Dreadful trouxe de volta, em altíssimo estilo, o gênero do terror gótico-romântico, que há muito carecia de obras de qualidade. O elenco estelar, combinado a uma produção requintada e a uma trilha sonora inspirada, deixou-nos com seus - poucos - episódios uma enorme vontade de quero mais. Uma sede quase vampiresca por mais terror, sexo e violência vitoriana. O Razão de Aspecto fez, à época, uma crítica da primeira temporada, que pode ser encontrada aqui.



A segunda temporada, embora tenha mantido - e talvez até melhorado - o requinte visual da série, apresentou pelo menos duas características preocupantes. A primeira, foi uma certa irregularidade de ritmo: boa parte da trama foi construída e preparada lentamente ao longo de oito episódios e meio, e sua resolução pareceu, ao final do décimo episódio, uma pouco apressada. A segunda característica da temporada - que eu evitarei chamar de "problema", embora particularmente eu considere assim - é que, embora as tramas dos personagens paralelos se desenvolvessem, o foco permaneceu na personagem Vanessa Yves, hipnoticamente interpretada por Eva Green. Essa opção foi, ao mesmo tempo, uma das forças (pela qualidade da atriz) e o começo do fim de Penny Dreadful.


Ao final da primeira temporada, com o arco da personagem relativamente bem concluído, eu imaginava que a história concentrar-se-ia, a partir dali, nos mistérios e segredos dos outros protagonistas. Cada um deles tinha potencial de receber toda uma temporada de atenção. É fato que, ao longo da segunda e da terceira temporadas, tivemos pistas e referências sobre a ligação de Sir Malcolm (o genial Timothy Dalton)  e Sembene (Danny Sapani), sobre o passado de John Clare (Rory Kinnear, o melhor da série), e, sobretudo, sobre as origens de Ethan (Josh Hartnett). Nada, porém, sobre como Dorian Grey (Reeve Carney) tornou-se a entidade que é, ou, por exemplo, menções sobre o passado de Ferdinand Lyle (Somin Russell Beale)  e sua relação íntima com Madame Kali (Helen McCrory) e culto ao demônio.

 À exceção de Vanessa e Ethan, tudo o que era relativo aos ouros personagens era mais mencionado do que mostrado, o que deixava aberta a possibilidade de termos episódios de flashback sensacionais. No entanto, as três temporadas tiveram apenas episódios "da Vanessa". Foi uma opção dos produtores/roteiristas que resultou em uma certa limitação para a série.



A ficção de terror (e a vida real!!!) e Romântica tem, ademais, uma gama de personagens espetaculares, que poderiam, paulatinamente, serem incorporados à trama: o Dr.Jekyll (que viria a aparecer na terceira temporada, interpretado por Shazam Latif), o Fantasma da Ópera, a Múmia, o Homem-Invisível, Dr.Moreau, Capitão Nemo, Robur, Jack, o Estripador, Sweeney Todd... Era, em potencial, uma série infinita.



Ao final a segunda temporada, com a separação dos personagens principais em espaços geográficos diferentes, imaginava-se que finalmente aproveitariam o potencial de cada um deles em tramas próprioas. Eis que as estadas de Sir Malcolm na África e da Criatura no Pólo Norte chegam ao fim em cinco minutos. Eis que retomam e reciclam o tema do vampirismo e das paixões perigosas da personagem central. Eis que tudo volta a se centrar em Vanessa. Eis que a esperança de um novo personagem graúdo, com o drama Jekyll/Hyde, não se desenvolve. Eis que a impressão de que teríamos Dorian e Lilly (Billie Piper) como vilões da série se frustra. Eis que percebemos que o Velho Oeste não combina tanto assim com terror gótico. Eis que o grande vilão nem chega a ser combatido diretamente. E eis que a série termina abruptamente no fim da terceira temporada.

De acordo com o Presidente do Canal Showtime David Nevins e com o criador da série, John Logan, a intenção sempre foi produzir apenas três temporadas, e ter Vanessa como centro do arco narrativo e elemento de conexão entre os personagens principais. A partir daí temos dois cenários:  ou estão desconversando sobre problemas de produção, elenco e/ou e audiência - o que pode ser reforçado pelos boatos já existentes de que a série ganhará uma continuação/spin off, ou confiamos no argumento dos criadores. Neste caso, o final da série deixa um sabor agridoce para crítica e público.


Se, de fato, a série foi concebida como uma trilogia de temporadas (o que, pessoalmente, não acredito), o aproveitamento de personagens ficou meio capenga. Nada - a não ser um desejo muito forte de fazer uma homenagem meia-bomba ao personagem - justificaria a presença de Henry Jekyll na terceira temporada. Catriona Hartdegen entra e sai da série meio como muleta ex machina que orienta Vanessa, mas não a ajuda na hora H. O núcleo Dorian-Lilly embarca em uma subtrama algo interessante - mas breve e inapropriada para o período - sobre feminismo. A relação Frankenstein-Lilly acaba de maneira mais romântica do que Romântica. Vanessa cai no conto de El Dracula (Christian Camargo) de maneira muito fácil, mesmo depois de ter se mostrado muito mais resoluta e consciente dos perigos em momentos anteriores da série. Para piorar, a grande personagem mola mestre da série passa os dois últimos episódios quase sem aparecer, e passiva frente a seu destino. O Lobo de Deus cumpre seu destino COM UM TIRO !!!  Tudo muito afoito, muito corrido, com cara de improviso, acaba-aí-logo.

A segunda e a terceira temporada continuaram com um esmero visual acima da média: a sala das bonecas de Madame Kali, o ménage banhado de sangue, o minimalismo do episódio teatral em Bedlam, o laboratório steampunk do Dr.Jekyll, a cena-chave no ambiente cheio de velas do esconderijo de Draculón e o último take da série são todos de tirar o fôlego. Aliás, este último take resume a estética Romântica que a série tanto amou - e protagonizada por John Clare, não por acaso homônimo de um poeta romântico inglês: o poeta ajoelhado aos pés do túmulo da musa, com a natureza morrendo ao seu redor, enquanto ouvimos os versos de William Wordsworth.


É uma pena que a capacidade de John Logan de balancear o ritmo da série e o aproveitamento dos personagens não alcançou a qualidade do aspecto visual, ou da trilha sonora de Abel Korzeniowski (embora às vezes inspirada... um pouco demais.. pela trilha de Wojciech Kilar em "Drácula de Bram Stoker" (1992).

Ainda que com problemas de ritmo, "Penny Dreadful" foi uma série muito acima da média, que mesmo oscilando, manteve a qualidade altíssima. Além disso, ocupava um nicho de terror que os "American Horror Story" ou "Hemlock Grove" da vida não ameaçam alcançar.  Seu fim prematuro (por decisão ou por planejamento equivocados) deixará saudade. Torçamos para que, caso seu spin off estrelando Sir Malcolm, Ethan e Catriona seja confirmado, a produção se mantenha pelo menos no mesmo nível.


por Daniel Guilarducci


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