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MENINO 23: INFÂNCIAS PERDIDAS NO BRASIL



Gênero: Documentário
Direção: Belisario Franca
Roteiro: Belisario Franca, Bianca Lenti
Produção: Maria Carneiro da Cunha
Fotografia: Lula Cerri, Mário Franca, Thiago Lima
Montador: Yan Motta
Trilha Sonora: Armand Amar
Ano: 2016
País: Brasil
Cor: Colorido
Estreia: 07/07/2016 (Brasil)
Distribuidora: Elo Company
Estúdio: Canal Brasil / Globo Filmes / Globo News

Sinopse: Uma construção com tijolos marcados pela suástica revelam um fato assustador: uma fazenda que abriugou 50 meninos negros de um orfanato do Rio de Janeiro, em 1930. Lá, eles eram indentificados por números e trabalhavam como escravos. E uma conversa com três destes meninos, sendo um deles o número 23, revela a realidade que viveram na época.


Nota do Razão de Aspecto:


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Nas décadas de 1920 e 1930, o Brasil passava por um período de transformação cultural, social e política, que levou ao surgimento do Modernismo, à Revolução de 1930 e ao início do processo de modernização conservadora. Menos de meio século após a abolição da escravidão, a sociedade brasileira continuava racista, as ideias higienistas continuavam predominando, mesmo que não entre a elite intelectual, e o legado de quatro séculos de exploração de uma raça estava mais presente do que nunca.

Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil traz para o debate os valores da sociedade daquele período, ao demonstrar que existia uma contradição entre o pensamento da elite intelectual e o da elite econômica, consequentemente, o da sociedade brasileira, sobre a questão racial. Se, no anos 1920, o Modernismo brasileiro lançou ao Manifesto Antropófago, o Estado definia a questão social como uma questão de polícia; se, em 1933, Gilberto Freyre publicava Casa Grande & Senzala, a Constituição de 1934 incluía um artigo que definia como função do Estado difundir a educação da eugenia; se, em 1936, Sérgio Buarque de Holanda publicava Raízes do Brasil, floresciam no Brasil o fascismo e os partidos nazistas; se o Brasil se modernizava e iniciava sue processo mais acelerado de industrialização, em Campina do Monte Alegre, na fazenda Santa Albertina, a família Rocha Miranda cultuava o nazismo e submetia crianças negras órfãs ao trabalho escravo, depois de receber sua tutela legal do orfanato Romão Duarte, no Rio de Janeiro.

Trata-se de contradições típicas da sociedade brasileira, que gritam para quem, como eu, tem formação voltada para o estudo da cultura brasileira. Todas as ideias que, academicamente, eram consideradas ultrapassadas já no início do século XX conviviam com o progressismo do núcleo central do Modernismo brasileiro - que, ao que tudo indica, era muito mais avançado do que a sociedade brasileira de sua época.

Dirigido por Belisário França e baseado na tese Educação, autoritarismo e eugenia: exploração do trabalho e violência à infância desamparada no Brasil (1930-1945), Menino 23 busca reconstruir o percurso das crianças do orfanato Romão Duarte até a fazenda Santa Albertina, por meio da entrevista com dois sobreviventes; Aluizio Silva - o menino 23, que dá nome ao filme - e Argemiro Santos, ambos aos 93 anos de idade, e com os familiares de Dois - o órfão que foi escolhido para crescer na Casa Grande-, combinadas com a entrevista de Sidney Aguilar Filho, autor da tese, e de diversos especialistas no tema. 


Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil faz um excelente trabalho narrativo cinematográfico, por meio da reconstrução das memórias dos entrevistados - da seleção no orfanato ao abandono, passando pela viagem de trem, pelo trabalho forçado e pelos castigos. São cenas duras e, ao mesmo tempo, poéticas, filmadas em preto e branco e em câmera lenta, de forma a dar força à narração do entrevistado. Assim, o espectador sente-se dentro da memória do personagem, compartilha da sua dor, e o filme ganha um tom onírico onipresente. A cada inserção dessas imagens, imergimos naquelas memórias e permanecemos envolvidos com a narrativa. Além disso, a combinação da reconstrução das memórias com as imagens de arquivo do período deram coerência estética ao filme.


A presença de Seu Aluizio e de Seu Argemiro dá a perspectiva das consequências daqueles fatos para vida das crianças de então. O trauma foi insuperável para ambos, embora Seu Argemiro consiga rir da própria desgraça, e Seu Aluizio, falecido em 2015, expressasse raiva e ressentimento permanentes com aquilo que passou. Ambos os personagens e suas histórias de vida são a epítome dos valores da sociedade daquele período e do descaso a que se submetia a população negra e mestiça brasileira em uma sociedade que cultuava o racismo em todos os seus níveis, não pela segregação formal, mas, sim, pela cultural, pela educacional e pela econômica. Do cabelo ruim ao deboche das características físicas, aquela era uma sociedade que não hesitava e relacionar o negro a tudo que havia de inferior e desprezível. Uma sociedade muito diferente daquela que conhecemos pelos livros e pela educação tradicional. Uma sociedade muito distinta daquela idealizada pelo Modernismo brasileiro.  


Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil é um documentário forte e imprescindível, é um grito na cara da sociedade brasileira sobre o seu passado e, infelizmente, ainda sobre seu presente. Apenas setenta anos depois daqueles fatos, o Brasil começaria a adotar políticas concretas de combate ao racismo e à discriminação. E ainda há quem discuta a validade dessas políticas. 

por Maurício Costa





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