A CHEGADA (ARRIVAL, 2016) - CRÍTICA



A Chegada é um clássico instantâneo de ficção científica, cuja principal ciência é a linguística.

Gênero: Drama
Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Eric Heisserer
Elenco: Abigail Pniowsky, Amy Adams, Anana Rydvald, Andrew Shaver, Forest WhitakerJeremy Renner, Joe Cobden, Julia Scarlett Dan, Julian Casey, Larry Day, Leisa Reid, Mark O'Brien, Max Walker, Michael Stuhlbarg, Nathaly Thibault, Pat Kiely, Philippe Hartmann, Russell Yuen, Ruth Chiang, Tzi Ma
Produção: Aaron Ryder, Dan Levine, David Linde, Karen Lunder, Shawn Levy
Fotografia: Bradford Young
Montador: Joe Walker
Trilha Sonora: Jóhann Jóhannsson
Duração: 116 min.
Ano: 2016
País: Estados Unidos
Cor: Colorido
Estreia: 24/11/2016 (Brasil)
Distribuidora: Sony
Estúdio: 21 Laps Entertainment / FilmNation Entertainment / Lava Bear Films
Classificação: 10 anos
 Sinopse: 12 naves aterrissam na Terra. A tradutora Louise Banks e o físico matemático Ian Donnelly são recrutados para tentar estabelecer conexões com os visitantes. A surpreendente interação desencadeia descobertas espetaculares.



Nota do Razão de Aspecto:


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É impossível sair indiferente da sessão de A Chegada. Os impactos são múltiplos e avassaladores: visual, direção, interpretações, roteiro, fotografia, montagem e trilha convergem para um resultado capaz de mobilizar o público de forma inigualável. Com os três autores deste texto, não foi diferente. Cada um de nós sentiu, a sua maneira, os efeitos desta narrativa paradoxalmente densa e leve, lenta e rápida, dinâmica e contemplativa, científica e dramática. 

Para além do alcance emocional, A Chegada trata de questões atuais, de forma universal. Talvez essas questões sempre tenham sido atuais na história da humanidade: o medo do desconhecido, a dificuldade de se comunicar com o próximo, a reação agressiva e odiosa ao diferente, o ataque como melhor defesa, a falta de alteridade de muitos e a empatia de muitos outros seres humanos. Esses temas são tratados de forma equilibrada entre a humanização do drama e os grandes efeitos sociais da chegada dos alienígenas, com uma abordagem direta, porém, sutil. Ficção científica e drama então intrinsecamente ligados no desenvolvimento da trama.

A ficção científica é um gênero irmão da fantasia, que se diferencia, principalmente, pelo uso do termo científica. Nas histórias de Sci-Fi, a ciência e a tecnologia são centrais na trama, base para os conflitos e as transformações dos personagens. Uma boa história de ficção científica, em geral, se pergunta sobre como o ser humano e a sociedade reagiriam diante de certa tecnologia ou certo conhecimento ainda desconhecidos.
Tipicamente, as questões tecnológicas sobressaem, com os escritores e roteiristas se utilizando , em maior ou menor grau, da Terceira Lei de Clark. Afinal, qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de magia. São poucas as histórias de ficção científica nas quais o lado científico está mais ligado à ciência pura do que à tecnologia. Mesmo nessas raras histórias, o conhecimento científico fictício está ligado às ciências naturais, em geral à física, à genética e similares. A Chegada é um raríssimo exemplo no qual a parte científica central no conflito é da área de ciências humanas, no caso, a linguística.
O ponto central da trama são os esforços da tradutora Louise Banks para decifrar a linguagem utilizada pelos visitantes. Mas, como inserida de forma muito inteligente e delicada no filme, a forma como pensamos e entendemos o mundo depende da linguagem que usamos para descrevê-lo. Se, entre humanos, o uso da linguagem gera ruídos de comunicação e desentendimentos, a dificuldade e o potencial para incompreensão na comunicação entre humanos e alienígenas são enormes. Para conseguirmos ultrapassar a fronteira e nos comunicarmos, teremos que aprender a pensar de modo alienígena. 



Não pense que a ciência natural fica de lado. Se a linguística é o motor primeiro, a física e a tecnologia são movidas por ela. Esta dualidade entre exatas e humanas está muito bem representada pelo casal de protagonistas,  Louise Banks, a tradutora, e Ian Donnely, o físico matemático. Há um claro contraponto entre os dois acadêmicos e a visão militar dos demais personagens.


Os militares, como é comum nas histórias de ficção científica, não são retratados da forma mais simpática. Não são propriamente vilões- há quase uma ausência de antagonistas no filme - mas grande parte da trama decorre dos riscos e problemas de erros de comunicação com pessoas acostumadas a pensarem em conflitos e demonstrações de força como a forma de resolver problemas. Como mostrado no trailer, o uso da palavra arma se torna um grave problema.



Mas arma não é a principal palavra do filme. Já nos primeiros instantes, vemos algumas palavras que vão permear toda a obra: história, tempo e memória. Se o tempo é algo inerente à temática, ele também é bem usado para dosar o ritmo, sem perda de tempo para começar a ação, mas com o tempo necessário para trabalhar cada aspecto. As movimentações temporais fazem sentido narrativo – mais do que aparentam,  já que as revelações do terceiro ato explicam, desconstroem e reestruturam toda a narrativa. E temos um desfecho que confere unidade a uma enorme gama de temas, gerando uma sensação de epifania no clímax. A Chegada tem, assim, um dos roteiros de ficção científica mais bem construídos da história do cinema, senão o melhor de todos, muito superior aos melhores filmes de Cristopher Nolan.

Podemos relacionar A Chegada a vários antecessores do gênero. Assim como Interestelar, temos uma mistura do grande confronto com questões familiares dos protagonistas, com o uso da ciência para uni-los, mas de forma mais sutil que a do filme de Nolan. A Chegada consegue tudo que Interestelar pretendeu alcançar, mas fracassou. Há, também, uma confluência uno-pluri-plena para solucionar um problema, como em Perdido em Marte, e uma jornada de autoconsciência e renascimento metafórico como em Gravidade. Mesmo com temas dramáticos diversos e complexos, Denis Villeneuve consegue um resultado para muito além de eficaz. É impossível encontrar adjetivos que descrevam o resultado - talvez ele exista na linguagem do alienígenas desta obra prima do cinema mundial.
A Chegada tem uma inventividade visual rara. A constituição das naves e dos alienígenas é, ao mesmo tempo, simples e criativa. Não são apenas únicas e belas, mas também alienígenas, no pior dos sentidos: não há como humanos se sentirem confortáveis naquele espaço. As criaturas têm visual assustador, mas não monstruoso, imponente, mas não grotesco. Mesmo nos cenários mais terrenos, como o labiríntico acampamento na base de Montana, ou nos trajes dos militares/cientistas que entram na nave, o resultado é impecável. Cada elemento visual é inserido de forma muito cuidadosa. Se um traje aparece, é para notarmos o desconforto e o medo de quem deve usá-lo. Se uma tomada aérea é utilizada, é para dar a dimensão entre o humano e o alienígena. Se há um corte para uma cena familiar, é para entendermos a psicologia e o sentimento de um personagem. Não há um frame sequer que seja impensado ou sem significado.

A fotografia mistura a grandiosidade dos planos abertos dos locais d'A Chegada, a contemplação das memórias de Louise Banks, no melhor estilo de Terrence Malick - porém muito bem dosado, para a tranquilidade dos seus detratores-, e os closes, que expressam as emoções de Louise Banks, que nos dá o ponto de vista de toda a narrativa. Antes de A Chegada, seria quase impossível imaginar a combinação desses elementos em um mesmo filme, com um resultado tão eficiente. Esta ousadia merece muito mais do que aplausos.




A trilha sonora é onipresente, quase totalmente ambiental, sem canções tema, e reforça aquilo que Villeneuve quer transmitir em cada cena. O espectador é conduzido ao medo, à urgência, à tristeza e ao espanto de forma magistral. A tensão, o suspense, o afeto e a emoção transitam pela trilha sonora sem nenhum acorde fora do lugar.
Amy Adams entrega uma das grandes atuações do ano – ao lado de Sônia Braga (Aquarius), Emily Blunt (A Garota no Trem) e Meryl Streep (Florence: Quem é Essa Mulher?). A construção de Louise Banks tem uma carga dramática poderosa, passando por todas as situações com uma calma e confiança incríveis, transmitindo uma inteligência aberta e nada arrogante, uma empatia e uma verdade que convencem e fazem o público se importar com o destino da protagonista. A partir do seu ponto de vista , percebemos seu o senso de urgência e a seua determinação nas ações. 

Adams chega cotadíssima ao Oscar. Além disso, A Chegada é provável candidato a melhores filme, direção, design de produção, efeitos visuais, roteiro e montagem. Talvez seja preciso criar novas categorias para premiar toda a genialidade desse filme.

Denis Villeneuve já era um dos diretores mais aclamados da nova geração. A alegoria de O Homem Duplicado, o suspense/drama de Os Suspeitos e a ação crua e cinematograficamente bela de Sicário, o qualificavam a esse posto. Hoje, depois de A ChegadaVilleneuve se coloca entre os maiores de todos os tempos - um Kubrick dos tempos modernos. Ainda não vimos todos os favoritos ao Oscar de 2017, mas, caso apareça um longa melhor que A Chegada, então teremos um das mais sensacionais disputas na história da Academia.

Por Maurício Costa, Aniello Greco e Lucas Albuquerque.


5 comentários:

  1. Por acaso incrível eu li há poucos meses o conto de Ted Chiang e fiquei muito surpreso quando descobri que estavam fazendo uma versão cinematográfica. Recomendo o conto.

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    1. Bom saber que é baseado em um conto.
      Grato pela recomendação. Ted Chiang, A história de sua vida.

      Vou ler.

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  2. Acabei de ver "A Chegada". Melhor filme de 2016. A tensão e a expectativa do encontro com uma cultura completamente outra me deixaram com os olhos arregalados e o coração acelerando durante todo o filme. Fotografia certeira, atuações impecáveis, a complexidade do tema e a profundidade da abordagem mostram que o bom cinema faz a gente enxergar melhor o mundo. As divagações sobre as pequenas coisas da vida, o tempo e a morte de pessoas queridas me pegaram no momento certo. Não pude deixar de pensar (arrepiado...) em T. S. Eliot nos momentos finais do filme:

    " Time present and time past
    Are both perhaps present in time future
    And time future contained in time past.
    If all time is eternally present
    All time is unredeemable.
    What might have been is an abstraction
    Remaining a perpetual possibility
    Only in a world of speculation.
    What might have been and what has been
    Point to one end, which is always present."

    Agora me deixem sonhar em heptagentês...

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  3. Um filme forte e brilhante! Uma fotografia e enredo que nos faz pensar sobre nossa própria existência como seres humanos..Sem dúvida o melhor filme de ficção científica no gênero que nos remete a pensar o hoje e o amanhã. Um trilha sonora equilibrada e atuação marcante de Adam. Um filme que nos enche de emoção pela sua beleza incrédula. Sem dúvida o melhor filme do ano de 2016. Nos faz pensar em acreditar que podemos ser melhores como seres humanos. Torna-Se um clássico da ficção científica com um bom gosto peculiar. Uma atmosfera de esperança que nos remete à pensar na vida e em nossa existência. Um filme que aborda a linguística com uma importância na comunicação humana jamais vista. Super recomendo. Não temos como evitar a emoção e a saída com os olhos molhados portoda sua originalidade. Perfeito e épico. História e enredo emocionante.

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